Minha lista de blogs

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Famílias brasileiras vivem o drama da falta de assistência.


Enquanto a ciência tenta decifrar os mistérios do autismo, famílias brasileiras vivem o drama da falta de assistência

Mamãe. Esta é a única palavra utilizada por Antonio Celso Sampaio da Conceição para comunicar-se com o mundo. Repetida aos berros, sinaliza alegria, contrariedade, fome, sede, dor. A voz grave assusta os desavisados. E, mesmo familiar, faz estremecer Normaci Sampaio. Babá em casas da classe alta de São Paulo, a baiana de Macajuba levou oito anos até conseguir uma explicação para as esquisitices do próprio filho, hoje com 16 anos. O diagnóstico veio em 1992. Antonio Celso é autista. Vive em um universo inatingível. Na segunda-feira 13, a rotina de gritos começou a mudar. Antonio Celso foi internado em uma clínica especializada na cidade de Atibaia, graças a uma decisão judicial. Normaci planeja voltar ao trabalho e sonha apenas o possível: a recuperação parcial do filho.

Pela primeira vez, o Estado brasileiro foi obrigado a custear o tratamento de um autista em uma instituição particular. Normaci só alcançou essa vitória ao provar que o sistema público de saúde não dispõe de serviços próprios para atendê-lo. A decisão da 2a Vara da Fazenda Pública de São Paulo abre um precedente histórico: famílias de baixa renda poderão reivindicar a mesma ajuda. A Procuradoria-Geral do Estado deverá recorrer da decisão, mas, enquanto isso, a mensalidade de R$ 1.500, cobrada a Normaci pela clínica paulista, corre por conta do Erário.

Quando Antonio Celso foi transferido para Atibaia, dias atrás, Normaci enfrentou o afastamento de alguém que lhe é particularmente querido. Sentiu-se como quem amputa um pedaço de si. Depois, reagiu. "Só assim poderei trabalhar e trazer meu filho de volta, dentro de alguns anos." Não é raro o drama da mãe que abandona tudo para se dedicar a uma criança autista. Mas poucos sabem disso. Até o Ministério da Saúde ignora quantas famílias vivem situações semelhantes. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cinco em cada 10 mil pessoas desenvolvem a doença. Só em 1995, mais de mil bebês brasileiros aumentaram as estatísticas. Mal de difícil diagnóstico, o autismo é capaz de confundir médicos e familiares. E ainda é incurável.

Descrita em 1943 pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner, a doença desafia até mesmo os pesquisadores mais tarimbados. É classificada como o mais grave distúrbio da comunicação humana e, em geral, manifesta-se antes dos 36 meses de vida. O nome vem do grego: autos significa si mesmo. Autistas são seres retraídos, absortos em um mundo interior e indevassável. Mergulham em um isolamento tão desconcertante que, no passado, muitos casais chegaram a supor que o filho adoecesse por não se sentir amado pela mãe. Culpas abissais foram escavadas em nome de um equívoco.
Enfatiza o neuropediatra José Salomão Schwartzman:

"A doença é provocada por um distúrbio biológico no cérebro, e não por carência de amor materno", enfatiza o neuropediatra José Salomão Schwartzman, um dos mais experientes especialistas do país. Pesquisas mostram que algo errado pode acontecer nas primeiras semanas de gestação: o cerebelo, uma espécie de maestro do cérebro - é ele quem orquestra estímulos visuais, controle muscular e aquisição de conhecimento -, não se desenvolve como deveria. Ficam, para sempre, a má-formação e o mistério em torno dela.
Nos últimos dez anos, a ciência pôde juntar algumas hipóteses minimamente confiáveis. Mulheres que tenham contraído rubéola durante a gestação ou se tratado, nesse mesmo período, com anticonvulsivos aumentam a vulnerabilidade dos embriões ao autismo. Entretanto, não se sabe por que esses fatores provocam a anomalia cerebral em uns, e não em outros. A resposta poderá vir, no futuro, com o aprofundamento de pesquisas genéticas.

O autismo foi confundido com retardo mental durante longo tempo. Diante de crianças que não expressavam reações de raiva ou tristeza, não conseguiam manter uma conversa nem reagiam a sinais de emoção nos outros, médicos optavam por defini-las como deficientes mentais. Entender esses pacientes significa aventurar-se pelo desconhecido, com a chance de ter surpresas: algumas crianças aprendem que, se a mãe contrai as sobrancelhas, deve estar brava. Outras conseguem estabelecer certos códigos para decifrar a realidade exterior. Chegam a romper o isolamento. Sabe-se, também, que 30% dos autistas têm Q.I. normal ou acima da média. Alguns chegam à universidade. Em geral, são portadores da síndrome de Asperger, a forma mais branda da doença. "É como se essas pessoas tivessem um hardware perfeito e um software comprometido", explica Schwartzman.

A engenheira e bióloga americana Temple Grandin, autora do livro Uma Menina Estranha, lançado pela Companhia das Letras, ilustra a situação de quem chegou a abrir uma fresta para comunicar-se com o mundo. Temple já era adulta quando conseguiu olhar alguém nos olhos pela primeira vez. Criou imagens inusitadas para se autodefinir. "A maior parte do tempo eu me sinto como um antropólogo em Marte", disse certa vez ao neurologista Oliver Sacks. A comparação jamais saiu da cabeça do médico, também escritor. Acabou servindo de título para um de seus best-sellers, lançado no Brasil.

Aos 6 meses de idade, Temple rejeitava afagos. Ao ser aconchegada no colo da mãe, tornava-se inerte como um bloco de mármore. Mais tarde, passou a comunicar-se por gritos, assobios, murmúrios. Ignorava sons estrondosos, mas era capaz de reagir com violência ao som produzido por um papel celofane sendo amassado. O cheiro de uma flor poderia deixá-la descontrolada. Como todo autista, exibia certas habilidades - entre elas, o desenho. Temple tornou-se respeitada como projetista de equipamentos para a pecuária.


Matéria Retirada da Revista Época

Nenhum comentário:

Postar um comentário